Autoestima, empatia, trauma, obsessão, necessidade de validação, autoconfiança, manipulação, identidade sexual, adição, submissão, necessidade de atenção…
Numa das raras ocasiões em que troco os livros pela televisão, fico feliz por encontrar tudo isto estranhamente (porque é assim que somos, estranhos) bem embrulhado.
Uma faca. Coisa de aparência simples e sem segredos. Afiada, cortante e perigosa. Útil. Necessária. É assim, este livro do húngaro Péter Nádas.
Há um Andrew Bird em Weather Systems, outro em A.B. & the Mysterious Production of Eggs, outro em Armchair Apocrypha, outro ainda em Noble Beast, e por aí fora. Sempre diferente e sempre o mesmo.
Hoje, no primeiro vislumbre que nos dá de Sunday Morning Put-On, volta a pisar terrenos de jazz que fizeram parte da sua formação e que se deixavam perceber, ainda que mais timidamente, nos seus primeiros trabalhos.
Temos banda sonora para os próximos tempos.
Uma narrativa sem travões, sempre mais vírgulas do que pontos finais, um fluxo contínuo de pensamento, de consciência, sobre o nascimento e a morte. A tal manhã e a tal noite. Com a sua habitual prosa poética, Fosse conduz-nos a um lugar onde nada existe. Nem as palavras.
Esta é a representação da ilha de Utopia, criação de Thomas More na obra com o mesmo nome, responsável pelo atual significado da palavra. Lá se descreve uma sociedade alegadamente perfeita, que quase faz sentido no papel. O que More esqueceu, ou fez por esquecer, foi a natureza da espécie humana, que transforma qualquer possibilidade de perfeição numa espécie de horizonte: visível, até desejável, mas a cada passo mais distante, inalcançável.
A imagem forma-se e é o suficiente para me fazer contrair os músculos, virar ligeiramente a cara e estender um pouco mais os braços, afastando o livro, que dizem ser só palavras. O problema é que uma senhora irlandesa, que agora conta 93 anos, faz dessas palavras violentas armas, em certas passagens. Literatura que pede coragem, a de Edna O’Brien. Coragem que nos traz outro irlandês, também ele O’Brien, mais conhecido pelo nome coletivo de Villagers.
Ao abrandar, perante a proximidade de um cruzamento, olho o horizonte e quase que se me oferece uma escolha: de um lado, um convidativo e luminoso céu azul; do outro lado, um céu carregadíssimo, a evitar. Desafortunadamente, o GPS – a. duzentos. metros. virar. à. – confirma que o caminho certo é precisamente este último. O escuro. O que promete chuva.
Quantas vezes não é assim na vida, também?
Manhã chuvosa de domingo e o átrio da capela ia recebendo os participantes da eucaristia. Uns metros adiante, um homem aproveitava um intervalo entre carregadas nuvens cinzentas para colocar um estendal completo a secar. Eu conduzia para o futebol semanal.
Que os fiéis tenham conseguido encontrar na missa o conforto interior que procuravam. Que o homem tenha recolhido toda a roupa seca. Eu terminei o jogo inteiro. Dorido, mas inteiro.
Caminho pelo quintal e verifico que o sol e as temperaturas pouco habituais para Fevereiro anteciparam as primeiras flores de ameixoeira, pequenas e frágeis testemunhas da beleza e da força de uma natureza que funciona sempre com o que lhe dão, que é mais lógica do que a lógica dos homens. Se o calor vem antes, a flor vem antes. Coisa mais aleatória foi a revelação que os últimos dias me trouxeram ao ouvido, outra espécie de primavera sem hora marcada, uma música que se apresenta e canta, a cada verso, aquilo que precisava de ouvir neste preciso momento.
Leiam a poesia de Maria do Rosário Pedreira, diz-vos este muito ocasional leitor de poesia.